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utilitarismo social

por jorge c., em 02.11.21

Valorizamos muito o simbolismo das palavras e seguimos as suas tendências. Dizemos partilhar, experiência, liberdade (adoramos, adoramos, adoramos). Mas, continuamos a confundi-las com outras ferramentas sociais. Por exemplo, já quase não sabemos distinguir entre partilha e vaidade; já não sabemos discernir a vaidade da partilha quando alguém nos seduz ou quando tentamos seduzir. Imagino a solidão e o sofrimento de quem só conhece o símbolo das palavras e a utilidade dos gestos. 

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e-dreams

por jorge c., em 26.11.19

Quando começámos a poder viajar, fomos ver os lugares de que toda a gente falava. Lembro-me que em Londres entrámos no Harrods deslumbrados e acreditámos que os países desenvolvidos se mediam pelo tamanho das suas lojas. As montras, cá fora, exibiam-se e apeteciam. Já nem olhámos para a porta dos museus, que tédio. Antes de irem ao Louvre, os meus vizinhos de baixo levaram as filhas à Disney, porque - dizem - a felicidade das crianças é que é importante e isso, como se sabe, vem em forma de orelhas do rato Mickey ou num pijama da Minnie dentro de um saquinho da loja do parque e com o recibo comprovativo de dois dias de felicidade eterna. E depois, claro, já não houve tempo para muito mais. Na escola, perguntaram à mais nova se sabia que rio passava por Paris e a miúda respondeu que era o rio de chocolate, que foi o único que ela viu. As crianças, agora, coitadinhas, não sabem nada. 

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...

por jorge c., em 15.10.19

As raparigas já lhes chamam os pichas-murchas. Não é original. É verdade que a falta de noção é uma das suas mais notáveis características. É uma espécie de falta de propriocepção, mas do ridículo. Houve um tempo em que tiveram relevância e dinheiro. Depois, quando o capitalismo subsituiu a elite a que pertenciam por outra mais adaptável aos famigerados novos desafios, que surgem sempre com intervalos de dez anos para dar a ilusão da inesgotabilidade da modernidade, refugiaram-se nas diferentes formas da decadência e da vergonha. Agora, uns divorciados, outros viúvos, sentam-se na esplanada a fingir que estão a aproveitar a reforma quando, na verdade, estão apenas sozinhos. 

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Fui alertado para o facto de a tarefa ser impossível, logo após ter anunciado o meu desejo de a executar. Não vais conseguir - diziam -, há demasiadas distrações. E se as havia... Sempre que me preparava para a iniciar, novo ruído, nova interrupção, um constrangimento qualquer. Mesas que mudavam de sítio, uma intervenção elétrica, um teste, uma festa. "Estás a ver? Não vais conseguir." Quando pedi sossego, o tom indignado e os olhares reprovadores reagiram. Depois, o desconforto hostil concentrou-se na própria tarefa. Já não era o facto de ser impossível, era ser má e era eu estar obcecado por ela. Às distrações chamavam urgências e à tarefa o trabalho que devíamos estar a fazer, mas que não podemos por causa de todas as urgências. Finalmente, para que pudesse executar a tarefa, chegou à mesa um conjunto de documentos para preencher e que se acumularam com o tempo. Um dia, também eu esquecerei a tarefa e, sempre que alguém a tentar desenterrar, serei o constrangimento obediente.

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cantaloupe

por jorge c., em 15.05.19

Sonhei acordado com a Foz do Douro, com o passeio longo da Montevideu à Avenida Brasil, a nortada ligeira, o sol atlântico e o mar. Há um ritmo do mar na Praia da Luz que me recorda a Ilha de Cantaloupe, onde tudo sabe a fresco e o calor convoca uma preguiça civilizada. 

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por jorge c., em 02.01.19

Começámos o ano a cantar e a tocar, numa grande festa em casa da Ana Luísa, que nos recebeu com generosidade e carinho. E, embora não seja um entusiasta do ritual de passagem de ano, é agradável ver o sorriso de estranhos que se cumprimentam, como um sinal de esperança, de que é possível ser amável com o semelhante. Na mesa com o banquete já não cabia mais nada e havia vinho para mais duas festas. Havia um certo cheiro no ar, de ócio. Não há nada melhor na vida do que o cheiro do ócio. 

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Sempre que descubro músicos mais obscuros, sinto uma imensa injustiça e apetece-me desatar a fazer telefonemas e obrigar as pessoas a viver aquilo comigo, naquele momento, com aquela pele e aquele nervo todo que vinham das guitarras do Ricardo Quinteira, das vozes da Sara Alhinho e da Aixa Figini e do cada vez mais invulgar sax soprano do Diogo Picão. Tenho demasiada dificuldade em me manter como um mero espectador das coisas que acontecem assim, na vida. Parece-me sempre algo egoísta.

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É tudo muito bonito, mas ainda só passaram umas vinte e quatro horas e já discuti no trânsito. Fico sempre fascinado com a capacidade que as pessoas têm de constranger a vida dos outros e dar cabo deste otimismo a que nos vamos obrigando suavemente no início do ano. Tinha resolvido discutir menos com o mundo. Lá se foram os planos. 

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por jorge c., em 18.12.18

O inverno, este ano, está a aparecer aos bocados, como num puzzle. Hoje, chegou a chuva, à hora do almoço. Quando cheguei ao gabinete ainda não estava cá ninguém. Por isso, fiquei a observar a rua da janela: os carros com os faróis ligados, iluminando a chuva oblíqua, atravessando lentamente a rua, quase a medo; as pessoas a fugir como que de uma catástrofe; tudo o resto - as árvores, o passeio, os carros estacionados, as cadeiras e as mesas da esplanada do Aracuá - imóvel e indiferente. 

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Creio que a melancolia da chuva está relacionada com a reconstrução da imagem em movimento. Quando observamos a rua, sem a informação do som, usamos a imaginação para preencher o que está em falta e, então, transformamos a ideia da imagem em algo íntimo, como se fosse uma criação nossa. E, manipulada, a ideia torna-se confortável mas, ainda assim, apenas uma memória. Com o som, sem a imagem em movimento, a mesma coisa. É a memória dos sentidos, mesmo que seja por nós ficcionada ou sugerida por outro elemento externo: a literatura, o cinema, a música. 

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por jorge c., em 22.05.18

Hoje de manhã recebi a notícia da morte do JB. Teve uma vida dramática e o final não foi menos trágico. Afogou-se num rancor que o levou para longe de todos e perdeu as capacidades essenciais. A notícia chegou-me por sms, que é uma forma ingrata de nos apanhar desprevenidos. Mais tarde, uma notificação do Público no telemóvel anunciava a morte de Júlio Pomar. E é assim que agora ficamos a saber da morte, por notificação. 

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Para evitar as declarações sentimentalistas duvidosas na televisão, fui ler alguns excertos de Textos e Variações. Pomar tinha uma escrita muito semelhante à pintura: um traço fino e poético, uma procura do real, um olhar sobre o mundo e sobre a cultura do mundo. Fechei os olhos e relembrei o desenho que ocupa toda a parede interior do Museu do Neo-Realismo, onde se ergue, imponente, um camponês que nos obriga a olhá-lo de baixo para cima. Em mais nenhum ponto do museu conseguimos ver a imagem integral, só cá de baixo. Mas não o devemos apenas à curadoria. Devemo-lo, sobretudo, a essa ideia que tantas vezes debateu com Lima de Freitas, Cunhal ou Redol de que a arte também tem de representar as preocupações reais do homem comum e não, apenas, as aspirações metafísicas do artista. 

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Há uma certa espiritualidade nas coincidências. Hoje, enquanto ajudava MS a montar a sua instalação da próxima exposição, deparei-me com uma impressão onde estva inscrito o nome de Pomar e de um dos seus livros. Creio que ao lado também se via, sobreposta, uma das suas pinturas. As coincidências têm a capacidade de nos demonstrar como a relação que temos com as coisas consegue ser tão singular.

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por jorge c., em 09.05.18

A comunidade sente-se mais feliz em festa. O inverno foi longo e, com ele, os mal-entendidos, os desentendimentos, a reclusão, o ressentimento. Ao primeiro sinal de festa, a vila respira de alívio, sorri, diz bom dia, brinda, embriaga-se. À noite, a tradicional pancadaria. Foi um bom regresso.

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Aproxima-se mais uma mudança nas exposições temporárias do Museu. É preciso desmontar, devolver, arrumar, para que logo se desenhe um novo prolongamento da sua vida. Sinto sempre uma imensa melancolia no dia da desmontagem. A efemeridade das exposições obriga-nos a aceitar o irrepetível. Digamos que é como um fim de dia. 

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Regressei à banda sonora de "I Am Sam", que devolve o espanto poético à música dos Beatles. A poesia ganha sempre novas vidas quando as palavras recuperam a força ou quando a ganham pela primeira vez. Vem-me à memória, assim de repente, a forma ainda bem mais hesitante com que Ben Harper diz "I think, er, no, I mean, er, yes/ But it's all wrong/ That is I think I disagree". Mas é melhor ter cuidado com estas heterodoxias. Os dias não estão de feição à discórdia. 

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por jorge c., em 03.05.18

Há dias deceparam duas árvores - amoreiras, creio - num dos largos mais antigos da vila. Os meus conterrâneos lá mostraram o seu desagrado, reivindicando o seu património, evocando dias felizes. Hoje, passei por lá e o cenário é crucinante. Habituei-me, contudo, às mudanças, porque o tempo e a distância são crueis com a memória da paisagem. Quando nos ausentamos por longas temporadas, tudo se transforma: no homem outrora altivo vemos agora os sinais da decadência do corpo; na casa que habitámos e onde nunca mais entraremos, vivem estranhos; amigos que deixaram de se falar; a calçada do caminho para a escola é substituída por cimento; os cafés fecharam ou mudaram de proprietário; as velhas casas de piso térreo deram lugar a novos prédios; as árvores morreram. Por vezes, basta uma ausência de dias para que tudo mude, sem nos pedir licença. É a vida própria da civilização a imitar a natureza. E, embora o ressentimento seja legítimo, de nada vale guardarmos rancor à inevitável transformação no mundo, pois dela também somos cúmplices.

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por jorge c., em 01.05.18

Estou hesitante em considerar uma abordagem passivo-agressiva de um ativista anti-tauromaquia como ofensa ou ingenuidade. Dizem-me os amigos que é uma coisa da idade, mas não consigo desligar o botão da ofensa. E não falo da ofensa simples, mas de uma ofensa generalizada à liberdade dos indivíduos. Estive quase a pregar-lhe dois bananos nos cornos. Vontade, essa, não me faltou. Mas contive-me, com o estoicismo que preside a esta minha nova consciência pacifista, à qual não posso deixar de capitular. Houve tempos, claro, em que não hesitaria em pregar no estafermo arrogante dois valentes socos, aos quais não teria reação. Seria simples: uma chapada de mão aberta na fonte, seguida de um gancho, com o propósito de lhe partir a cana do nariz ou, caso falhasse, rebentar-lhe o queixo. Não o fiz. Virei costas e segui, em marcha solene pelo Dia do Trabalhador. Mas por que raio há-de esta gente aproveitar dias de celebração para reivindicar o seu ódio aos outros? Com tantos inimigos que temos, escolhem sempre os mais desprotegidos para condenar. Enfim, é o drama habitual da cultura dos outros. De resto, foi um bom dia. 

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os dias comuns

por jorge c., em 30.04.18

Tenho pensado em deixar de fumar, mas depois de ler uma referência de Zizek sobre A Consciência de Zeno, de Italo Svevo, fiquei irritado com esses juízos de coragem e liberdade e prometi não voltar ao assunto, convicto que estou das limitações a que me sujeito por existir. Aliás, os meus dramas sobre liberdade começam logo pelo facto de querer estar noutro lugar, que não este. Por exemplo, decidi que quero viver no Maine, mais precisamente em New England, mas sei que não passa de um sonho. Não vou deixar de dormir por causa disso e, para já, admito a possibilidade de ficar aqui para sempre (um horror!).

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Ontem estivemos em casa do T.N.. A R. foi mordida pelo cão logo à chegada e toda a nossa confiança no mundo ficou mais cautelosa. Isto levou-me a pensar na relação que temos com os bichos. Estamos demasiado convencidos de que a domesticação é um instrumento absoluto de controlo ou de manipulação e não de relação de dependência ou de poder, como, verdadeiramente, o é. 

Entretanto, usámos o grelhador pela primeira vez, este ano. Voltei a ficar nostálgico, o que é uma maçada. Tenho memórias daquela vila, o que significa que há uma ligação entre essa época e hoje que foi quebrada. E se calhar a nostalgia é isso mesmo: a incapacidade que tivemos de manter a vida como ela era.

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Reparei que deixei de ser convidado para aniversários ou outros eventos sociais. A vida na borda d'água afastou-me. Mas fico a pensar se deixei, de facto, de ser convidado, ou se essas festas deixaram de se realizar. Seja o problema meu ou dos outros, é sempre caso de preocupação. Alguma coisa não está como seria desejável.

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Tenho andado a ler os diários de José Gomes Ferreira, Dias Comuns, que me têm custado uma fortuna. Fiquei espantado com o preço dos livros, este ano. Não creio que seja possível cultivar o acesso à cultura com estes valores. Dezassete euros, o último volume. Também uma coletânea de poemas do Philip Larkin, da Faber & Faber, custou-me mais de quinze euros. Preciso de roupa e assim é difícil. Por isso, decidi voltar a escrever no registo de diário, para que depois possa ler qualquer coisa de graça. Não sei se me tolerarei como crítico, mas é ao que estamos sujeitos.

 

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quem te quebrou o encanto nunca te amou

por jorge c., em 18.04.18

São as fotografias antigas dos amigos que não conheci em novos que me inspiram, agora, a nostalgia. Sinto saudades pela sua juventude, pela alegria nos seus olhos, no riso, na intimidade dos gestos com outros que desconheço. Nas fotografias dessa juventude é sempre primavera ou verão. Ouve-se a música a respirar e há uma imensa luz. É então que me lembro da minha pele ao sol no recreio da escola e do cheiro das hormonas. A música nunca era triste. 

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nostalgia

por jorge c., em 01.03.17

Não somos conservadores só porque temos aversão à mudança mas, sobretudo, por nostalgia. À medida que os anos vão passando, ficamos com a sensação de que algo ficou incompleto, que a felicidade é um pretérito imperfeito e que cada passo dado nos afasta do que poderia ter sido. Mas a nostalgia é uma desilusão. Porque a única coisa que nos transporta para o passado, para além da memória inventada, seletiva, são os objetos. Porém, os objetos são insatisfatórios e só nos recordam que a felicidade é efémera. 

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subsídios para um léxico republicano

por jorge c., em 01.02.17

O debate sobre o mérito de um regicídio é antigo e parece perpetuar-se sempre que a história nos bate à porta. Porém, a própria designação implica que matar o rei seja diferente de matar um indivíduo comum. Implica, por isso, que o rei é supra-humano e que o seu assassinato merece uma designação própria. Se, por um lado, há uma desumanização do monarca e uma relativização do homicídio, por outro lado, há uma legitimação da sua superioridade divina. Não se pode, porém, ignorar que as motivações políticas que levam a um homicídio de um rei são diferentes das que levam à tragédia de um conflito subjetivo - o homicídio comum. Assim, parece mais adequado designar o homicídio com motivações políticas de politicídio. 

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assassino em microconto

por jorge c., em 31.01.17

Todos achavam que era um flâneur, até lhe verem o sangue nas mãos.

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carta a deus

por jorge c., em 17.01.17

Tenho tentado recuperar a minha relação com deus. Após um período de agnosticismo radical e outras tarefas domésticas, pareceu-me prudente começar a pensar nas hipóteses que o desconhecido nos coloca. É um pouco como tentar reatar relações com amigos que fomos perdendo ao longo da vida. O que custa é a iniciativa. Não me recordando, ao certo, de como rezar, decidi escrever-lhe. Ao início, pareceu-me uma ideia patética, tendo em conta a sua omnisciência, omnipresença, omnipotência e tutti quanti. Foi aqui que começaram os embaraços. Apesar das dificuldades em encontrar morada certa, o importante, para já, era escrever. Como nos dirigimos a deus, após tamanha ausência? A relação perde-se, a cumplicidade desaparece e aquilo que era uma conversa tu cá tu lá, torna-se num confrangimento um pouco infantil. Poderia optar pelo modelo formalista ensinado nas melhores escolas de comunicação e secretariado "Exmo Sr.". Pareceu-me excessivo. Tentei, então, algo menos impessoal: "Boa tarde,". Não, demasiado temporal. Vamos, então, para uma abordagem descontraída: "Caro Deus". Algo de materialista fez-me recuar. Talvez se fosse mais pragmático, a coisa funcionasse: "Deus". Sim, não restam dúvidas. "Deus, no seguimento da nossa última conversa, venho por este meio informar que estou disponível para chegar a acordo sobre a forma mais adequada de nos entendermos. Creio (e com isto já estou a fazer cedências) que é chegada a altura de redefinir o plano previamente estabelecido para a minha vida, cujos recentes resultados não foram ao encontro das expectativas por mim legitimamente adquiridas, aquando da minha última conversa com o Sr. Padre Almerindo. Sem mais assunto, fico a aguardar feedback, despedindo-me com cordialidade. Atenciosamente, Eu." Dobrei o papel, enfiei-o no email e enviei para um dos contactos disponibilizados pelo sítio oficial do Vaticano. À noite, deitado, fiquei a olhar para o tecto do quarto, com a angústia que se sente ao pensar na correspondência perdida. 

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à espera

por jorge c., em 17.01.17

A partir de agora, fazemos o luto no Natal. Os anos vão passando, a nossa gente vai morrendo. A tragédia é inevitável. Ficaremos sozinhos, enrolados nos copos da consoada, a agonizar na casa de estranhos. E o advento, agora, será outro. 

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luta de classes

por jorge c., em 16.12.16

Obcecada com a sua própria urbanidade, interrompe a conversa muito desdenhosa com um acontecimento cultural na província. Esclarecida sobre a dimensão do evento, não deixa escapar um ar surpreendido, ao mesmo tempo desconfiado. Fora de Lisboa? Deve ser péssimo! O ar blasé mantém-se ao longo do jantar, com mais um ou dois comentários despectivos, entre relatos de idas a espectáculos interessantíssimos, onde estava toda a gente, e observações de profundidade duvidosa sobre a vida social de um ou outro autor. Ergo o punho e grito por revolução. É preciso esganar os lisboetas. E a burguesia, claro. 

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non-fiction

por jorge c., em 22.11.16

Prometeram que não iria chover. Olho para o céu e reparo que, depois do nevoeiro, surgem algumas nuvens com intenções duvidosas. Volto a entrar com as pernas geladas e regresso à secretária. O algoritmo das redes sociais sugere-me dois livros de Karl Ove Knausgaard, cuja imagem me é familiar. Lembra-me, de certo modo, aquela curiosidade com o tipo que, a certa altura, nos cruzamos com frequência nas mais distintas circunstâncias, mas que nunca chegamos a conhecer. A curiosidade transforma-se num assédio involuntário, por vezes em ressentimento. O que faz um estranho no domínio latente da minha esfera cognitiva? A pergunta é tão idiota quanto a sensação de invasão. Vou, então, pesquisar sobre Knausgaard. A Wikipédia dá-me alguns dados biográficos, prémios literários que lhe foram atribuídos e uma descrição das polémicas provocadas pela obra do norueguês. Sugere-me, também, uma entrevista feita por James Wood para a New Yorker em 2014. Aceito a sugestão. Ao longo da entrevista, o crítico demonstra alguma admiração pela coragem do escritor. Coragem. Chama coragem à exposição. Os livros de Karl Ove Knausgaard são autobiográficos, numa batalha que tenta derrubar o tédio da ficção. Conheço a reflexão. Ainda assim, fico sem saber muito mais, restando-me a inevitável leitura que adiarei até encerrar outra dezena de preconceitos idênticos. Acho que vou reler Os Filhos da Droga ou a Bíblia.

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aforismo da exposição

por jorge c., em 14.10.16

Não há injustiça maior do que não nos podermos defender do silêncio dos outros.

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o tempo de dummy

por jorge c., em 12.10.16

À janela do edifício, um homem observa a chuva num pequeno espasmo de melancolia. Pergunto-me sobre o que pensará. Eu sei no que penso quando o faço, quando chegam as primeiras chuvas do outono: regresso ao lugar onde fui feliz. Numa imediata associação de ideias, recordo-me das tardes no café, dos pés encharcados e gelados, dos casacões, do cheiro dos paniques e do carioca de limão, das conversas sobre as coisas importantes da vida. De um lado, um estuda Análise de Matemática II, do outro a Teoria Geral do Direito. No som de fundo ouve-se Sour Times ou Roads. Regresso ao tempo de Dummy, de onde nunca deveríamos ter saído. 

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o ribeiro

por jorge c., em 13.09.16

Durante aquela idade em que não somos nem carne nem peixe e em que a tendência para a inconsciência é maior do que o habitual, descobrimos um ribeiro dentro do bairro. Havia, aliás, alguns ribeiros que desapareciam com a nova construção que ali começou a crescer, para nossa infinita tristeza. Alguns deles serviam os campos, mas este servia sobretudo um tanque de lavadeiras. Descia a encosta, passava por debaixo de uma pequena ponte de betão inacabada e terminava no tanque onde, por regra, passávamos as tardes de domingo, a ver as cores que nele se formavam. Era raro ser sempre a mesma. O cheiro do sabão confundia-se com outros odores mais duvidosos. Por vezes, ficava-se com a sensação de estar perante um esgoto aberto.

As casas em volta, nesse lado do bairro, formavam pequenas ilhas de construções clandestinas, onde viviam famílias de seis ou oito pessoas e onde existiu durante muitos anos uma panificação sobre a qual recaía o mito das caganitas de rato no produto final. O ribeiro atravessava a encosta que dividia as casas, como se fosse a Veneza dos pobres. Dentro das que conheci, o mobiliário não tinha um estilo uniforme e, para disfarçar a falta de luz, era feito de madeiras claras e frágeis e as prateleiras estavam sempre despidas. Os quartos eram divididos entre os membros da família, estando o espaço mais reservado destinado ao chefe de família e à mulher. Os miúdos partilhavam o quarto com os avós e, por vezes, nalguns casos, a sala acabava por servir duas funções. As cozinhas eram pequenas e as casas de banho interiores recentes e igualmente exíguas. A fossa que servia as casas também era partilhada e mais tarde até surgiu, sem se saber bem como, uma antena parabólica onde durante as férias tentávamos ver pornografia na RTL.

Certo dia, apercebemo-nos de que a água do ribeiro não morria ali e continuava por um cano. Intrigados, decidimos tentar seguir o curso da água e acabámos por descobrir um furo no campo do Sr. António - o nosso maior rival. Para escapar aos chumbos da espingarda com que habitualmente nos recebia, trepámos por um muro mais discreto para ir à chinchada e acabámos por cair num charco de lama e estrume que não parecia secar. Do outro lado do muro, uma linha de água suja parecia ser o que restava do ribeiro que saía do tanque. Nunca mais roubámos ameixas.

O Ribeiro da Maínça foi durante a minha infância e pré-adolescência a minha imagem íntima da miséria escondida. Quando deixei o bairro, nunca mais lá voltei. Mas às vezes, nos primeiros dias da Primavera, ainda lhe sinto o cheiro e a resignação. Depois das últimas urbanizações que tentaram fazer do meu bairro da infância uma zona mais urbana e sofisticada, a encosta por onde passava o ribeiro desapareceu da vista dos demais. Por vezes, quando me lembro dos rapazes, penso no quanto a vida nos sorria enquanto estávamos juntos, à procura da felicidade.

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instantâneo

por jorge c., em 07.09.16

Rasga-se a tela presa na janela com o vento e um pequeno barco de porcelana cai e quebra-se no chão e as mulheres na secretaria falam falam falam falam falam de tudo o que interessa e não interessa seja de casa do trabalho da televisão a entrar dentro de casa e os operários aproveitam a corrente de ar que interrompeu a vaga de calor e paz no mundo mas logo regressam à obra de berbequim ligado intercalando ou em simultâneo com o toque dos telefones "está lá? só um momentinho que eu vou ver se ela ainda está na casa de banho" um sítio outrora privado mas que agora passa a informação transmitida a desconhecido como se as desculpas as razões os motivos as palavras a verdade fossem assim tão necessárias na conta corrente dos dias que vão passando assim com todo este ruído e com os termómetros a marcar trinta de mínima e quarenta de máxima em portugal continental e na madeira e em todo o lado menos nos açores onde ainda resta um bocadinho de civilidade de silêncio de natureza de vida porra!

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espião acidental

por jorge c., em 01.09.16

O início nunca é claro. Desta vez, chegava a um terreno com uma casa semi-abandonada. Sabia da morte de um amigo do meu pai. De seguida, um outro era assassinado e depois um terceiro. A polícia chega e admito reconhecer um padrão. Talvez saiba quem é o assassino.

Por esta altura surge uma ex-namorada que passeia serena com uma capa vermelha de burel. Os olhos verdes condizem com as cores do outono. Conversamos um pouco e fazemos as pazes de desencontros demasiado passados. Nada mais.

Apanho um autocarro melancólico que atravessa o bairro da minha infância e recebo uma chamada. Um 96 que não se encontra registado.

- Estou?

Uma voz ensonada do outro lado responde como se eu a conseguisse reconhecer:

- Então a malta diz que tu andas todo maluco e passas a vida a escrever cenas estranhas?

- Qual malta?

- O pessoal da faculdade.

- Eh pá, já tentei explicar mil vezes... Mas quem é que está a falar?

Insisto na pergunta várias vezes e explico que perdi os contactos. Lanço uns nomes de amigos mais próximos com quem o contacto tem sido cada vez mais escasso. Do outro lado, o tipo liga a aparelhagem e ouve-se Welcome to the Jungle. "Está lá, está lá" e nada. Depois Night Train. "Estou? Estou?"

- É o Axl, meu.

- Axl? Mas tu estás cá?

Era o Axl Rose, amigo de longa data a dar a boa nova. Lá fui ter ao bar dele, naquele mesmo bairro, lembrando um pouco o Cais na Ribeira do Porto. Ao balcão, fomos pondo a conversa em dia. Desafiou-me para o ajudar aí com uns negócios. Nada de especial. Mas, primeiro, tinha de confirmar que ia à passagem de ano. Oitenta euros - duas pessoas. Confirmei-me imediatamente e disse que ia falar com a tal ex-namorada confiante de que haveria ali uma aproximação. Desabafei ali um bocadinho com o meu amigalhaço. Saí do bar e pelo caminho segurava no telefone hesitando na sms.

Sem saber porquê encontro uns tipos mais velhotes acompanhados por um sujeito com ar de carteirista. Ficamos os dois a conversar sobre língua portuguesa mas entretanto passa a mulher do Presidente da Câmara e eu tenho de me ir embora para me encontrar de novo com o Axl.

Estamos três no elevador. O terceiro já não sei quem é, mas de repente fui eu que o levei até lá. O contacto era meu. Vamos para a Penthouse. Pelo que me apercebo, envolve putas. Não me faltava mais nada. Aquilo já não me parecia uma coisa assim tão simples como ele a pintara. Lá chegados, avançamos pelo corredor. Três jovens semi-nuas abrem três portas diferentes e sorriem com um ar atrevidote. De repente, tiros de metralhadora por todo o lado, o cliente é assassinado por uns tipos que o Axl revela serem russos. Quando este amigo da onça me contou que lhes devia dinheiro e tinha de fazer favores, o despertador começou a tocar. Como sabia que eu conhecia toda a gente... E pronto, o gato começou a miar e acordei definitivamente.

Há alguns anos que não me lembrava tão nitidamente de um sonho.

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manhã ocidental

por jorge c., em 30.08.16

Sombria, a guitarra de Polly Jean rasga o Agosto passado e tenta romper por Setembro dentro, sem pressa, num compasso com tanto de lânguido como de sádico. Na sua página oficial, um artista queixa-se da falta de reconhecimento pelos seus pares, pelo público e pelo cosmos. Dois jornalistas discutem o estado do setor no Facebook, invocando as razões iniciais que os levaram à profissão. Um cínico faz uma revista dos posts, deixando comentários como um pombo que larga dejetos nas praças ao longo da cidade, voltando depois à sua aborrecida realidade. Cidadãos anónimos esfregam os olhos nos transportes públicos na ressaca dos dias quentes e da água tépida. As chefias chegam depois da hora; outras já lá estão desde ontem. Pisa-se o passeio com mais convicção do que antes, com a substituição da calçada. Há buzinas e travagens bruscas. Um estafeta consulta o Whatsapp numa paragem de autocarro e o empregado do snack-bar Maré Alta acaba um Filtro enquanto arruma o resto da esplanada. Um homem discute com ele a mão na bola e um outro lê as notícias num jornal onde os jornalistas já nem discutem o estado do setor. Num quarto arrendado, uma desconhecida celebridade da cultura nacional dorme abraçada a um jovem Erasmus. A guitarra e a voz de Polly Jean estendem-se pela minha manhã ocidental.

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balada da dependência*

por jorge c., em 23.08.16

Era já tarde quando o amor se esgotou. Foi um estranho que entrou no quarto de madrugada. Trazia o cheiro azedo da cerveja bebida e entornada sobre o perfume enjoativo do vestido e a indiferença dos excessos. Poucos minutos após se deitar, a meio da minha insónia escaldante, caiu nas profundezas de um inevitável cansaço, demasiado ruidoso. Levantei-me e saí pela praia com os impulsos a conspirar. Estava tudo quente: as pedras, o mar, o céu, o corpo. Sem sobressaltos, fiquei na beira da praia até acabarem os cigarros. Quando o sono insistiu, deixei-me levar pela resignação e regressei a casa. Os olhos fecharam-se como num cadáver alado que deixava o corpo à mercê da manhã.

 

 

*inspirado em Nan Goldin

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uma crueldade por dentro

por jorge c., em 05.08.16

Passei os melhores anos da minha vida na cama. O corpo e o cérebro não se entendiam. No tempo em que aproveitamos para correr todos os caminhos e construir pontes eu estava na cama, a olhar para cima ou de olhos fechados. Lembro-me das sombras e do calor no quarto, dos filmes banais, da falta de comida, de um cheiro constante a tédio, da resignação. Não me posso arrepender, porém, de nada disso. Não nos podemos arrepender daquilo que não temos culpa. É uma doença cruel. 

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as férias de sardinha

por jorge c., em 26.07.16

- Quinze dias de férias! - exclamou num alívio tal que, ao recostar-se na cadeira, tombou, batendo com a cabeça no aparador da sala e derrubando uma jarra que lhes fora oferecida por uma prima afastada no dia do casamento. Pronto, estavam as férias feitas. Resignou-se com o facto de nas próximas duas semanas as suas manhãs começarem invariavelmente com a lembrança da tragédia que foi ter quebrado aquela jarra, de como é um irresponsável que não valoriza as coisas, de como a prima lhe era querida, apesar das distâncias, e lhes comprou aquela obra de arte por considerar que tinha tudo a ver com ela e que aquela era a única forma que tinha de se recordar da família que havia abandonado para se dedicar a um marido incompetente, inútil e desinteressante. Nem tudo era mentira.

Quando Sardinha casou, tinha começado a trabalhar na propaganda médica havia pouco mais de um ano, com direito a carro e a cartão de crédito para os almoços e jantares de negócios que acabariam por nunca acontecer devido à sua timidez, apesar de o chefe acreditar que tudo aquilo se devia mais ao facto de ele ser uma pessoa absolutamente desinteressante, inoportuna e, por consequência, inútil em qualquer empresa. Talvez tenha sido por isso que mudou de ramo, nunca afastando a convicção de que teria talento para as vendas. E com isto tudo já eram doze anos nos seguros. Muita gente passou por ali; entravam, saíam, e ele sempre lá, sempre a trabalhar; férias, nem vê-las. Chegava, por isso, a altura de gozar quinze dias, que seriam agora assombrados pela tragédia da jarra.

Portanto, se descontasse os telefonemas que iria receber, o massacre diário da jarra, a jardinagem e as compras, estaríamos a falar de um valor líquido de três dias de férias. Não desmoralizou. Talvez um bocadinho. Talvez tenha ficado a pensar que se fosse rico é que eles iam ver o que eram férias, na Polinésia Francesa, como um cliente que lhe contou que na Polinésia Francesa até uma tipa com um abanico a dar-a-dar para suavizar o calor havia; a água, transparente; nunca precisaria de se mexer para fazer o que quer que fosse excepto, claro, se a tipa do abanico quisesse brincar aos colonizadores, que era algo que também se podia arranjar. Quando um tipo tem dinheiro, tudo se arranja. E em vez de passar umas férias inteiras a podar arbustos, a aparar relva e a recolher pinhas e folhas de loureiro, passaria todas as tardes como se fossem aqueles sunsets onde os ricalhaços aparecem a beber gins e outras bebidas cujo nome agora não se recordava mas que o cunhado, que era um purista, sabia de trás para a frente. Ele é que lhe dava os conselhos: "Aquilo é uma maravilha. Mas não são aqueles patés manhosos do supermercado. É foie gras a sério, francês. O da Rússia também é muito bom. E bebes um ginzinho a seguir, com zimbro, pimenta rosa e hortelã. Vais ver como não queres outra coisa." Há gente que sabe viver, pensava. O cunhado, por exemplo. Admirava-o tanto que era raro não começar as frases com a formulação "o meu cunhado", o que depois, pelo excesso, acabaria por ser motivo de comentários menos simpáticos dos colegas. 

Foi precisamente o cunhado que os convenceu a arrendar uma casa na Malveira para passarem as férias e os fins-de-semana. Claro que fins-de-semana era para esquecer. É a bola do puto, a ginástica da miúda, o negócio que não dorme nem tira férias, o Benfica... enfim, ficava difícil. Quando lá iam, eram dois dias a limpar a casa e o jardim e na segunda-feira ninguém ia trabalhar por ele. Por isso, quinze dias de férias vinham mesmo a calhar para que na sua cabeça se justificasse um arrendamento anual de uma casa na Malveira. 

Três dias depois de terem chegado, já só faltava limpar o anexo, recolher as folhas caídas e cortar a relva. Mais dois dias e estava tudo pronto. Para agilizar o processo, decidiu substituir os sacos onde colocava as folhas secas de loureiro por um bidão grande onde as colocaria todas. Como acabou por ficar um bocado pesado, lembrou-se que se queimasse aquilo tudo ficava o problema resolvido. 

Quando a polícia chegou por volta das 16h00, o fogo alastrava já pela parte de trás da casa. Meteram-no no carro e levaram-no para a esquadra. Pelas 18h00, os bombeiros já tinham a situação controlada. Convencido de que ainda estava no papel de vítima, Sardinha desabafou com o polícia que, felizmente, o seguro cobria aquelas coisas, que não fosse ele um dos maiores especialistas de seguros do país de certeza que já lhe tinham estragado a vida, que a empresa é muito experiente nestes assuntos...

Foi já nos calabouços da PJ que se lembrou da jarra. Na verdade, desde que havia chegado à Malveira a mulher não tinha tocado no assunto. No fundo, até estavam a ser umas belíssimas férias. 

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o tempo das formigas

por jorge c., em 18.07.16

Todas as virgens do meu bairro deixaram de o ser sem que eu tivesse dado por isso. E tal como as virgens e os virgens, a vida no bairro foi crescendo comigo, tomando passos tantas vezes divergentes, e assim nos fomos separando. Ficou na memória um tempo de cumplicidades, de íntima relação com os muros das casas, com os bancos dos jardins, com a virgindade de todos os elementos que compunham o bairro e que com ele pareciam estar sempre a preparar as férias. Mas no Verão de 95, demoliram a casa do lavrador e todo o terreno foi ocupado por máquinas de construção. Durante esses dias, desapareceram os pessegueiros e as ameixoeiras, e com eles as raparigas de vestidos de algodão e o cheiro frutado dos corpos. Desapareceram também os formigueiros por detrás dos muros do prédio da minha infância que anunciavam o início do campo, quando trepávamos à descoberta do dia. Quando mudámos de casa, já não havia sinais da minha infância. As raparigas já não eram virgens e os rapazes eram tontos profissionais, ansiosos pela adultícia. Nos anos em que vivi sozinho nessa memória, descobri três ou quatro pormenores que ainda hoje, atravessando as mais elementares leis da física, me permitem viajar no tempo.

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o spleen da borda d'água

por jorge c., em 15.07.16

O cenário das ruas tem mudado. O mundo que chegou à pátria orgulhosamente só trouxe consigo outros hábitos. Cruzei-me, há dias, com uma mulher que caminhava enquanto fazia uma vídeo-chamada. Nas mercearias que são, agora, propriedade de mulheres e homens vindos de toda a parte, vemos e ouvimos as cores desses lugares distantes a saírem dos dispositivos, e com eles as reações, umas vezes alegres, outras apreensivas, destes novos vizinhos. É então que reparo em dois homens - portugueses, suponho - de telefone em riste, apontando para uma parede da cidade. A imagem, ainda que estranha, deverá ser, em breve, uma constante. A partir de hoje, muitos serão os diletantes desse jogo que encontra pequenos bonecos nos sítios mais improváveis. Chamam-lhes Pokémon. Poderia lá a história da Borda d'Água ficar indiferente.

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on the beach

por jorge c., em 12.07.16

Com a morte da mulher, Kasper já havia decidido deixar a cidade, afastando-se da preocupação alheia, dos pequenos dramas alheios que conspurcam o ar de banalidade, da alegria forçada e dos fretes. Anos mais tarde, o acidente do filho deixou-o sozinho no mundo e partiu para uma pontinha de Portugal onde dificilmente teria de se justificar. Dos anos que viveu em Vila do Bispo tem saudades da praia vazia, do vento e das ondas a impulsionar a dor para os céus, da estrada vazia, do pão fresco e carinhoso que lhe devolvia a manhã, do silêncio crepuscular do verão e do olhar melancólico dos turistas quando regressavam a casa. 

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Já se cuspiu mais sangue do que vómito na noite de S. João. Histórias antigas resolvem-se na noite maior dos excessos. Foi sempre assim. Lembro-me ainda dos desacatos simples: os carros cercados, os empurrões e os gritos a forçar o beijo entre os tripulantes; o assédio à miúda errada; a cerveja entornada por cima do tipo errado; um sócio que não dispensa um cigarro nem vinte paus. Uma vez, em S. Bento, o campo de batalha era toda a praça, formando-se não uma multidão, mas círculos de hooligans como nos concertos de metal que naquela altura se faziam no parque de exposições, do outro lado do rio. Um dia, dei por mim a acordar na praia no meio da ressaca da vida. À volta, a manhã ainda fumegava resíduos de violência, entre descargas de esgoto e de estômago. Ninguém parecia estar em condições de prosseguir a vida como se nada fosse, excepto o casalinho que encontrara o amor durante a noite e que continuava a conversar na descoberta do novo dia, do futuro a dois, quem sabe - outras manhãs sem que ninguém por perto seja visto a cuspir sangue ou bílis. As marcas profundas das coisas esquecidas arrastavam-se pelos passeios e as pastelarias enchiam-se de zombies esfaimados que, no regresso a casa, ostentavam orgulhosos a resistência à noite derradeira. 

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das revelações

por jorge c., em 21.06.16

Não perguntarei o que é a Verdade mas, antes, o que fazer quando a Verdade mudar. Quando chegar o momento em que o que era a Verdade deixa de o ser, como receber a revelação: aceitá-la com entusiasmo, aceitá-la com resignação ou reagir consciente de que a Verdade anterior é, agora, mentira?

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sobre evoluções

por jorge c., em 17.06.16

O conservadorismo é uma procrastinação moral da evolução. 

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going underground

por jorge c., em 30.05.16

No princípio era a verba. E então, entre a utilidade e o prazer, escolheram a primeira porque a segunda não era tangível. O prazer tornou-se deboche e os hedonistas parasitas. Todas as coisas espontâneas padronizaram-se e institucionalizou-se a noite e as manhãs ficaram artificiais e as salas dos restaurantes cheias de memórias inventadas pelo patriotismo romântico e as esplanadas violadas com a música que vende a mesma estética do prazer e a tarde a ter que ser produtiva. Quando a cultura do mundo morrer, será por decreto da lei do mercado, das novas tendências do cliente ou pelas regras de higiene e segurança do emprego. O cliente, que somos nós, é esse ser caprichoso que finge o que sente e que por preguiça deixou de gozar a vida.

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a ficção do mundo

por jorge c., em 25.05.16

Vou lendo, por aí, histórias de gente que se entrenha nas paredes do mundo. Ficções que acontecem à realidade. Penso nelas com uma inveja carinhosa. Queria escrevê-las, inventá-las, mas elas existem e foram contadas. Agora só me restam estas linhas trôpegas. 

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everything must go

por jorge c., em 20.05.16

Puristas, românticos de quaisquer construções, sempre os houve. Inventaram o nacionalismo, o autêntico, o verdadeiro, o original. O puro, lá está. Arrastam consigo, através da humanidade, os limites da imaginação. São os escravos do ressentimento, os fiéis guardiões da velha caverna. Não lhes devemos absolutamente nada. 

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uma homenagem

por jorge c., em 08.05.16

Se houver uma geração x em Portugal, ela é filha de uma inquietação sonâmbula que andou pelas ruas durante duas décadas, sem saber muito bem o que escolher. Se houver uma banda sonora para essa geração, ela tem letras de Rui Reininho.

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sonhos de salário mínimo

por jorge c., em 06.05.16

Já mal se recordam dos dias como eles eram há quinze anos. Aquela discussão no concerto dos Guano Apes, as férias em Milfontes, os planos para viver no centro da cidade num T0 sempre cheio de amigos, copos de vinho e música do agrado de ambos. O longo namoro deu em casório e a grande estratégia para a felicidade conjugal limitou-se, afinal, ao salário de seiscentos euros, já com os descontos, ao T2 nos subúrbios, a preço razoável, às aulas de Zumba e aos dias de jogo com direito a tolerância de ponto. Aos fins-de-semana é a catequese da miúda ou são os jogos do rapaz pequeno. Às vezes lá dá para uma jantarada no Mister Picanha e uma saída para um sítio onde dê para dançar, acabando a noite pela uma da manhã no Sabor a Recife - o mais próximo de umas tão desejadas férias no Brasil. Se pudessem voltar atrás, Carla e Bruno não mudariam muita coisa. Na verdade, nem pensaram muito nisso. 

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cobranças difíceis

por jorge c., em 04.05.16

Não há nada que inquiete mais a existência do que a incerteza sobre o que os outros pensam de nós. Podemos fugir, inventar uma retórica de auto-confiança, defender o individualismo ou entrar numa personagem que nos pareça mais conveniente. A verdade é que todos nos preocupamos. O que pensarão eles sobre mim? A dúvida é existencial. Toda a dúvida é existencial. É ela que me assalta quando vejo que os amigos não me visitam, que não têm curiosidade sobre o mundo que me rodeia, que não manifestam interesse pela minha cultura. Ao mesmo tempo, os amigos mostram-se incomodados pela a minha ausência. "Estás diferente", dizem. Eu, que aqui me encontro arredado do mundo, sem teatro, cinema e poesia, com pouca música e um difícil acesso a tantas outras coisas; eu, que vivo com pouco sem me queixar, apesar deste queixume; eu, que abandonei a casa e as gentes; eu, que sinto a falta de todas as coisas, como uma nostalgia perpétua. A que se deverá tal crueldade dos amigos? Isso, à necessidade que têm de ser gostados. Todos têm. Temos. Não me cobrem. 

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branda violência

por jorge c., em 20.04.16

Meia-estação. Sempre a meia-estação. Lembro-me dos domingos de meia-estação, o cheiro das velas na igreja, o incenso que julgava afastar o cheiro do suor quente-e-frio dos corpos que derretiam como cera, debaixo do sol da eucaristia, e depois gelavam com a sombra das nuvens saudosistas. Pela tarde, as ruas ficavam vazias e sobravam os restos do mundo embrulhados em sobretudos de fazenda, como zombies imunes à temperatura, e duas ou três tendas a vender cavacas e bugigangas na esperança de que todos os domingos fossem como em Jesus Cristo Superstar. Achei sempre que essa relação entre a missa dominical, os indolentes e a venda ambulante era um encontro cósmico de toda a decadência, abençoado pela temperatura falsamente amena da meia-estação e pela música de Nelson Ned. Mais tarde, quando a indolência me venceu, dei por mim a subir os montes num domingo à tarde, o sol a derreter a pele como se fosse a cera das mezinhas, os insectos, a terra seca e o pó a invadir as narinas já ressequidas do tabaco e do brandy. Foi outro desespero de tardes iguais, outro calor, a mesma estação, nem carne nem peixe, o compasso marcado pelos passos enterrados e o romper das silvas. Do chão parecia que se levantavam os mortos para completar o cenário de inferno brando. Não me recordo de outras visões. Ao fim do dia, quando regressava ao bairro, com o frio, o pânico da meia-estação encerrava-se no rosto pálido de Sónia, como numa balada de Violent Femmes. 

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uma cultura de alheamento

por jorge c., em 02.03.16

A civilização ocidental associou a legitimidade da opinião à ideia de liberdade de expressão. Uma vez que há matérias da realidade que são factos, não estão sujeitas a opinião, que é uma manifestação de subjectividade, limitada à experiência e às preferências do indivíduo. De certo modo, parece que se gera uma confusão entre a escolha e a projecção dessa escolha em todos os movimentos do mundo. A escolha do indivíduo é legítima, não a projecção para o resto do mundo. Mas a cultura do solipsismo instalou-se de tal forma que a opinião infundada é assumida como legitimadora de coisas tão distintas como o juízo sobre os outros ou os comportamentos quotidianos simples, como a forma como nos deslocamos na rua ou como prestamos, ou não, atenção ao que nos rodeia. O indivíduo que pára no meio do passeio e interrompe a circulação dos demais não é um individualista mas, antes, um solipsista que ignora voluntária ou involuntairamente a dinâmica do mundo. Aquele que ignora o conhecimento científico em benefício da sua própria experiência para emitir juízos tem mais de solipsista do que de ignorante. Muitos destes comportamentos vão ao encontro daquilo que o indivíduo entende como opinião, ou seja, a sua percepção do mundo. A cultura do solipsismo poderá, então, ser vista como uma cultura de alheamento e, como tal, de desintegração social. Ou, se quisermos ser mais fatalistas, pode conduzir ao fim da comunidade como a conhecemos.

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faena em memória de paco de lucia

por jorge c., em 25.02.16

Numa pequena taberna madrileña, um grupo de homens junta-se à volta de um guitarrista de semblante impenetrável. O rapaz toca uma buleria que se vai espalhando pela mesa e pelos cantos da sala, por entre o tabaco e os copos de 3. A música cresce como uma fonte que se transforma em grande rio e o peito sente uma liberdade latente, ainda sufocada pela angústia das coisas simples, anestesiando a realidade. Como numa faena

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in memoriam

por jorge c., em 25.01.16

Tem sido um Janeiro de despedidas. Encontramo-nos muitas vezes na elegia colectiva quando a figura é grande, universal, inspiradora. No meio das sucessivas despedidas, há um homem que terá passado despercebido ao mundo, mas cuja magnitude inspirou gerações de raparigas e rapazes, nessas idades em que a nossa intimidade luta entre o que somos e o que os outros querem de nós. É nesse tempo que surgem indivíduos que mudam a nossa vida; que - lá está - nos inspiram. 

Não fui um desses rapazes. Não o conheci. Mas foi numa tarde como a de hoje que me emocionei com o reconhecimento de um homem que, até então, desconhecia.

João Chaves - o Joãozinho da voz doce, como lhe chamavam - foi professor na D. Pedro V, tendo atravessado algumas gerações de alunos, entre o antigo regime e o pós 25 de Abril. Durante esses anos, ergueu um grupo coral por onde passaram centenas, senão milhares, de alunos de origens tão distintas que o resultado não poderia ser outro senão uma das mais belas expressões da identidade colectiva, da solidariedade e da comunhão. Só um homem com um raro espírito de humanidade poderia, então, tantos anos depois, numa tarde de chuva, reunir à sua volta um reconhecimento tão profundo. 

Soube, por estes dias, da morte do grande maestro dos alunos da D. Pedro V, escola com a qual eu não tinha qualquer relação até àquele dia. Quando a notícia me chegou, lembrei-me, com a inevitabilidade com que a música me visita, dessa tarde e da emoção que senti ao ouvir as palavras de Gomes Ferreira na música de Lopes Graça, cantadas por aquelas mulheres e homens que traziam, então, o brilho da adolescência nos olhos. Esse brilho que acende de almas e de sóis os mares sem cais e imortaliza os nossos heróis que dormem nos covais.

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rapazes

por jorge c., em 28.12.15

Nestes dias mais intensos do Inverno, a memória tem-se passeado por pequenos episódios e lugares onde julguei que o esquecimento se instalara. Mas o confronto quotidiano com as coisas do mundo faz-nos sempre regressar a casa. Ou às coisas que são como casa: o recinto da escola, o cheiro dos plátanos, os toldos dos cafés, os muros medievais das boiças, as urbanizações que cresciam ao mesmo tempo que nós e a luz ou o corpo a aquecer no fim da manhã. Às vezes, ainda sinto a adrenalina da espera do toque, dos corredores vazios sob a chuva de Janeiro, dos cheiros dos casacos encharcados misturado com o das hormonas quentes, e com eles essa pressão para sermos rapazes. Dá-lhe um apalpão que elas gostam. Se não deres tu, há outro que dá. Não sejas mariquinhas. E lá a medo, para não sermos diferentes, traíamos a espinha e condenávamos a memória a essa vergonha abissal que durante o resto dos dias tentaríamos esconder.

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manifesto conservador

por jorge c., em 22.12.15

Ao contrário do reaccionário, o conservador não reage ao progresso, resigna-se. Mas essa resignação não tem que se manifestar através do pessimismo. O conservador pode, hoje, ser optimista se for, simultaneamente, libertário. Chamemos conservadorismo libertário à modalidade do conservadorismo que, não abandonando a sua natureza institucionalista, distingue entre intervenientes e beneficiários das instituições e, com isso, prefere a implosão das instituições à tolerância da sua subversão. 

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estranhos em casa

por jorge c., em 10.12.15

A abnegação também é uma vanglória. Desapegamo-nos das coisas não como uma demonstração de indiferença, mas sim de coragem. Enquanto virtude, a abenegação dar-nos-á dissabores, com o tempo. Todos esses lugares que deixámos para trás serão ocupados por outros. Por mais que acreditemos que os lugares não são de ninguém, há um dia em que regressamos e observamos os outros a comportarem-se como proprietários desses lugares que quisemos livres. E então sentimo-nos deslocados, estranhos em casa. Uma nostalgia ressentida consome-nos o espírito e põe a virtude da abnegação em causa. Já nem a luz ou a intimidade nos pertencem. No jardim da Cordoaria. No Twitter. E já não é apenas a sensação de sermos estrangeiros. É a sensação de não sermos bem-vindos.

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da felicidade

por jorge c., em 02.12.15

Em dezembro, nem sempre assim. O rapaz dos serviços administrativos continua a vir trabalhar para passar o tempo. Faz a sua parte, corre de um lado para o outro como se estivesse a fazer exercício físico, repete palavras e toques de telefone que ouve e vai cantarolando ao longo do dia, enquanto insere os dados na plataforma pública. A rádio de serviço nunca é interrompida com notícias e outras chatices. Farto de chatices está ele, só problemas, a vida. A essa hora, precisamente a essa hora, uma bomba rebenta em Istambul e faz 80 mortos. Easy Living de Billie Holiday surge com a naturalidade dos dias de dezembro. O parlamento discute a idade das reformas e os correspondentes cortes nos que se atrevem a antecipar, que isso da velhice é sobrevalorizado. Back in your own backyard dispara num arrepio. O rapaz vai abanando a cabeça ao som do swing do contrabaixo. Trav'lin' all alone. O Natal à porta e a felicidade nas pequenas coisas, no trombone tonto, na hora certa, na burocracia, até que a reforma nos separe. 

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da personalidade

por jorge c., em 01.12.15

Anthony Giddens definiu dois estádios que influenciam a vida do homem em sociedade. Chamou-lhes Sociabilização Primária e Secundária. A Primária será a fase da primeira infância, a educação de casa, o convívio com um círculo mais restrito. A Secundária, a fase de crescimento mais autónomo, com o alargamento do convívio e, logo, da percepção do mundo.

Não sendo eu sociólogo, nem tendo pretensão de falar sobre uma disciplina sobre a qual tenho um conhecimento muito vago, pensava nisto ontem enquanto observava um conjunto de reacções com padrões semelhantes num número alargado de indivíduos. De facto, as redes sociais virtuais permitem, hoje, uma ampliação invulgar do fenómeno sociológico e serão, certamente, um instrumento interessante de estudo. Não me competindo essa tarefa, reparo apenas em padrões, alguns padrões de indivíduos que conhecemos numa determinada altura da vida e que por obra dos algoritmos voltámos a encontrar. Será a mesma pessoa?

A questão tem tanto de filosófica quanto de sociológica. Na verdade, a formação da personalidade não pára, existindo, aliás, uma fase que me parece ser determinante na vida de qualquer indivíduo - a autonomia financeira e uma consequente percepção desse mundo novo que nasce não apenas com a responsabilidade, como também com novas relações provenientes da relação laboral, ou outros círculos que sobre ela gravitam. 

Na fase a que agora me refiro, não é invulgar que qualquer um de nós redefina o seu círculo de amizades, adaptando-o aos seus interesses, aos seus valores mais solidificados e à sua visão da própria vida em comunidade. Enquanto que na fase infanto-juvenil (e até universitária) não podemos garantir que o grosso das amizades sejam escolhas voluntárias, por estarem limitadas por obrigações perfeitamente circunscritas, o modelo de vida construído a partir da autonomia financeira permite uma maior liberdade de escolha.

Talvez possamos chamar a esta fase de Sociabilização Terciária. E talvez seja esta que nos pode ajudar a compreender certas características que, por vezes, nos parecem incoerentes ou, até, inexplicáveis. 

As próprias escolhas políticas, culturais e de consumo, ou a mera relação com o outro, dificlmente se manterão as mesmas a partir do momento em que o indivíduo é confrontado com uma nova relação de responsabilidades, de hierarquias e de cidadania. 

Por outro lado, talvez nada disto faça qualquer sentido e seja só uma tentativa desesperada de auto-justificação. 

 

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