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notas da realidade ficcionada na lezíria
Pelo final do dia, dexei a cidade para trás, entusiasmada com o jogo e na euforia do início de verão. Subi a encosta a cambalear para casa, numa subida espiral e lenta, exausto dos dias e das coisas que os dias trazem, sem encarar os prédios que se erguem esguios como se se estivessem a inclinar para os céus. Os prédios são espinhos no meu cenário e o meu bairro uma nuvem negra sobre a cidade. Pela noite, o silêncio dos montes suspende a fealdade das ruas e a vida adormece proletária. Não havia sentido, até ontem, o coração do bairro. Sentei-me, como sempre, numa cadeira de verga a fumar as horas que faltavam. Pela janela entrou um som até então estranho. Uma mulher dirigiu-se às ruas, da sua janela.
- Mariana, olha as horas!
Eram, agora, 22h30 de uma noite de verão. Cheguei-me à janela e fiquei a olhar para a rua. O bairro acordou do coma e as crianças brincavam cá fora. Mais à frente, dois homens passeavam os cães e ainda se ouvia o ruído do café. O bairro era bairro outra vez, como o fora no tempo das centenas de pessoas que chegavam desnorteadas daquele invernoso retorno e que aqui recomeçaram, para regressar à vida, à tona, para respirar, para voltar a ser gente e ser bairro de gente e de vida que é vida decente.
Estendi-me na cama e os olhos fecharam-se, suavemente. Acabei por adormecer e pouco me lembro dos sonhos. O dia seguinte começou tranquilo.