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notas da realidade ficcionada na lezíria
Pouco depois da intervenção estética em 2002 - restiling, para os mais novos -, o café "Pampilho", propriedade de Zé Alves, vítima de um AVC aos 78 anos, abandonou o seu registo de taberna para dar lugar a uma cafetaria de meia-idade. A filha e o genro, trabalhadores por conta de outrem até então, decidiram pegar no negócio e fazer daquilo uma coisa mais moderna e com asseio. "Não quero cá bêbados e drogados e isto agora é que vai ser uma coisa como deve ser". Mai'nada! Mas foi quando Patrícia começou a trabalhar de empregada de mesa que o Pampilho ganhou prestígio na praça. Experiência na área, bom relacionamento e foco no cliente, tudo características fundamentais para o exercício das funções - o perfil de trabalhador adequado, segundo as melhores revistas da especialidade, todas as quintas-feiras nas bancas com o seu Correio da Manhã. Em breve, o estabelecimento tornar-se-ia um centro de dia, um salão de chá de senhoras com idade para fazer exigências e serem tratadas como marquesas. Patrícia tratava-as com o carinho de uma neta, brincava sem ser inconveniente e por vezes era até irreverente nos comentários. Muito boa rapariga, era a opinião generalizada, não obstante os atrasos, a cabeça sempre noutro lugar, um pouco longe dali, duas linhas de transportes, mais 10 minutos a pé, um namorado que às vezes era, outras não, a cama vazia e os olhos confiantes e sorridentes da tarde transformados numa praia de lágrimas pela noite, até à manhã seguinte, o peso nos olhos que atrasava o despertar e o ar de noites longas aos primeiros cafés da manhã. "Anda nas noitadas" diziam todos os dias, como um mantra de quem reforça uma ideia tantas vezes quantas as possíveis para se esquecerem dos seus próprios pecados. Se era assim tão alegre, não devia ser, porque tanta alegria era tontice ou hipocrisia, dependia para o lado em que estivessem virados - eles, os monstros de Patrícia, na voz dos patrões ou de uma outra velha mais ressentida. No dia em que Patrícia foi encontrada caída na cozinha já não havia grande esperança em lhe provar que o mundo não era só aquilo.