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notas da realidade ficcionada na lezíria
A manhã nasceu fresca e esclarecida. Sob a montada, Teodoro admira agora um bando de flamingos que drapeia o mar-chão, plainando depois sobre o mouchão à espera que o barco passe e devolva o silêncio da preia-mar de novembro. A cidade, nem vê-la. Quanto menos notícias de lá, melhor. Comem-se vivos. Ao longe, uma nuvem de pó anuncia a chegada furiosa do patrão que, numa dessas urgências frívolas, vem cumprir o dever de mostrar quem manda. Restam-lhe agora poucos minutos para aproveitar as pequenas felicidades.
De todas as ignorâncias, a certeza é a mais intransigente. Uma certeza não cede, não questiona. Ela afirma-se como autónoma das relações complexas entre ideias, conceitos abstractos, sujeitos, comportamentos e circunstâncias. A certeza não cumpre a lógica, mas sim uma construção falaciosa. É essa construção que vai justificar a sua natureza ignorante. O indivíduo que é consciente da sua ignorância não começa um raciocínio pela conclusão, procurando depois peças que construam - lá está - essa certeza prévia. Uma parte importante da intolerância absoluta nasce da ignorância da certeza.