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cidadania na pastelaria

por jorge c., em 21.07.14

Não tendo sido o caso que me ocupou as maiores preocupações das últimas semanas, já que no gabinete contíguo a este, onde me encontro, uma das estagiárias insiste em considerar as opções que as frequências médias da rádio fazem por si, foi um episódio que se viria a revelar de interesse mediático durante algum tempo. Quando naquele dia entrei na pastelaria reparei, inadvertidamente, na irritação de Telmo Conchinha, já que essa era a sua habitual postura na vida - uma escolha legítima, como tantas outras. Há homens que despejam baldes de bonomia pelo passeio público, outros que destilam as mais variáveis formas de ressentimento, outros que, de tão confiantes consigo próprios, passam pela rua sem se aperceberem dos restos mundanos. Telmo Conchinha escolheu andar sempre irritado. Não me recordando ao certo das suas primeiras manifestações, a grande explosão aconteceu quando o rapaz do talho (era assim que o conhecíamos, julgando eu, até, que nunca lhe haviam perguntado o nome) comentou o desaparecimento do marco do correio. Confesso que ainda agora me admiro por não terem voado logo os cinco pratos, três chávenas e respectivos pires e os dois copos que se encontravam em cima do balcão. Indignado, Conchinha reuniu ali um núcleo de contestação que se disponibilizava para a criação de um movimento pela memória patrimonial. O marco do correio, ao fundo da rua, era um símbolo inequívoco de toda uma identidade - diziam. Responsabilizaram-se os autarcas, as autoridades dos "muitos e inúteis institutos públicos", o governo, e chegou mesmo a sugerir-se uma queixa a apresentar nas Nações Unidas. O argumentário era consensual: esta sociedade pós-moderna estava a operar cirurgicamente nos valores e nas emoções populares. A carta estava morta. O correio estava morto. Já ninguém escrevia, até porque nas escolas, segundo dizem, os miúdos já não aprendem nada. Especulou-se sobre os motivos que haviam conduzido àquele atentado ao património. Uns sugeriram que teria sido por razões urbanísticas e que o marco era, agora, considerado um impedimento à mobilidade; outros garantiam que estava relacionado com a construção e que tudo não passava de mais uma negociata nas barbas do povo. O director dos Correios estava, como é óbvio, envolvido neste escândalo que o jornalista Idalécio Mendes se propôs a investigar mal acabasse o seu abatanado em chávena escaldada. A discussão ia já longa quando Telmo Conchinha decidiu dar-lhe alguma ordem:

- Meus senhores, temos de ser práticos. A primeira coisa a fazer é enviar um email ao Presidente da Câmara.

Todos concordaram.

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