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notas da realidade ficcionada na lezíria
A partir do momento em que Júlio pisou a areia e começou a correr era tarde demais. Da decisão ao primeiro impulso passaram milhões de átomos que o tempo relativizou numa câmara lenta de pernas decididas e sólidas no chão, de joelhos de mecânica perfeita, o tronco hirto e o olhar focado no alvo. O risco é mais reduzido para quem aqui anda há muito. A poucos metros já tinha a garantia da eficácia do movimento. Seguiu confiante. Aprendeu com os mais velhos, observou e arriscou tantas vezes que só a mão de Deus o poderá ter guardado quando um dia, numa dessas largadas manhosas, quase foi agarrado contra as tábuas. No momento em que se preparava para citar o toiro, um homem que se escondia num burladero ali perto lançou uma lata de cerveja vazia que acabou por bater com estrondo no lancil descoberto do passeio, desviando a atenção do bicho para o lado contrário, no preciso instante em que Júlio cruzava o piton direito. Não pense o leitor que me confundo nos tempos - foi tudo de repente. À sua passagem remediada, o toiro arrancou-se na sua direcção, baixando a cara para o levantar pelo tornozelo com o piton esquerdo até ao céu infinito onde se sentiu a levitar, como se o mesmo Deus que o guardou, o estivesse agora a levar. Não ouviu mais nada. Durante um ano ninguém lhe pôs a vista em cima. Apareceu ontem com um pano na mão e passou em frente ao toiro como se nada tivesse acontecido.