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notas da realidade ficcionada na lezíria
A gaja espirra e tosse como uma hiena. Quero matá-la. Não que eu saiba como espirra ou tosse uma hiena. Tenho, apenas, a sensação de que as hienas são animais miseráveis, feios, sonsos e que tudo isso se manifesta nas mais variadas excreções que o corpo permite. Pouco depois, aparece o Bruno da Contabilidade com as graçolas e os trocadilhos, aos quais todos acham imensa piada, sobretudo o Sousa, para quem o Bruno é "um tipo do caraças". O Sousa acabou de arrotar, coisa que faz habitualmente, inclusive de manhã. Na minha opinião, o Sousa é um porco, para além de ser fascista, o que nem sempre coincide. Por mim, o Sousa podia ser fascista à vontade desde que não arrotasse por sistema e não passasse o dia todo a informar os demais dos seus mais íntimos desejos com a Xana das Vendas. A picha, a sarda, os colhões, o cagueiro e as bordas da cona são expressões que dispenso ouvir quando estou a tentar dizer a um cliente, por telefone, que o atraso na entrega da encomenda das próteses não é da nossa responsabilidade mas que tentaremos resolver o assunto com o máximo de brevidade, pedindo, desde já, as nossas mais sinceras desculpas por qualquer incómodo. São cinco da tarde e a hiena está a dobrar a mantinha para se pôr ao fresco. Vontade não me falta. Mas um gajo tem de ficar para fazer de conta que se esforça para além da obrigação. O Bruno, por exemplo, estando de chuva, fica ali sentado a olhar para o tecto e a fazer comentários sobre um dos seguintes assuntos: engenharia civil; o melhor sítio para se comer uma francesinha em Lisboa; os planos para o fim-de-semana com o cunhado e um amigo de ambos que é polícia e segurança numa discoteca em Torres Vedras; invariavelmente, gajas. Lembrei-me, outra vez, de Isabel e das tardes soalheiras nas margens do Coura, a falar do futuro. Vou embora. Está a chover.